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1980
É de noite. O vizinho foi carregado da taberna por dois amigos que estão menos bêbedos do que ele. Tocaram em todas as campainhas do prédio, pedindo ajuda para o levar para cima. J, o nosso vizinho da frente, aparece à porta de pijama e desce de imediato, com ar de enfado. É um homem grande, de poucas palavras e muita força, o ideal para carregar móveis e alcoólicos sem travão escadas acima no nosso prédio sem elevador.
O bêbedo lamenta-se na língua enrolada dos bêbedos enquanto J o carrega desde a porta da rua até ao último andar. Leva-o sobre as costas, como um saco de cimento constituído de gordura, camisa desfraldada, uma frustração pessoal definitiva e irrevogável e calças urinadas. Enquanto J sobe, vai passando pelas portas abertas supostamente para se saber se é preciso ajuda nalguma coisa. Faz-me lembrar Cristo a caminho do Gólgota, com a diferença de que, em vez da cruz e de judeus cuspindo morte, carrega, perante os vizinhos invejosos da sua força, um homem que anda sempre triste, não faz ondas e que bate na mulher quando bebe um pouco.
Depois de entregar o homem à mulher, J diz as únicas palavras durante todo o episódio, recomendando que agora o deixem voltar a dormir.
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